sábado, 14 de julho de 2012

CAUSOS DA BOLEIA - PASSARINHO NÃO COME PEDRA PORQUE SABE O BICO QUE TEM

CAUSOS DA BOLEIA - PASSARINHO NÃO COME PEDRA PORQUE SABE O BICO QUE TEM

“Uma mulher sozinha numa hora dessas na beira da estrada!” - Foi o que eu pensei, quando avistei sentada em cima da mala, numa estrada de barro poeirenta e comprida que nem se via o fim. Quando ela viu o meu caminhão aproximando-se, levantou-se e, timidamente, fez o sinal característico – a mão fechada e o polegar esticado para o lado e agitando o braço - pedindo carona. Eu parei um pouquinho antes dela para observar melhor. Era uma mulher bonita, balzaquiana, como dizem quando se referem a mulheres na casa dos trinta, por conta de um livro de um francês chamado Balzac, como aparentava aquela, com o corpo esguio, que estava vindo em direção ao meu caminhão arrastando com dificuldade a mala.
Constatei em seguida que ela não estava só. Saindo de trás de uma árvore, um homem fingindo que estava abotoando a braguilha, veio logo atrás dela. Fez a mulher de isca o sem vergonha!
- Bom dia! - Ele disse.
- Bom dia! – Respondi.
- Nós perdemos o ônibus que passou agorinha. Só deu pra ver o rabo dele lá no alto da pista. O próximo só vai passar à tarde. Será que o senhor nos leva até Palmital?
- Claro! Não tenha dúvida. Não vou deixar o casal aqui à mercê do calor, ainda mais uma mulher... – quase falei besteira.
Desci do caminhão para ajudá-los a subir. Fiz menção de auxiliar à mulher, mas ele adiantou-se e pegou no cotovelo dela para lhe dar apoio.
- O senhor pode guardar a mala pra gente? – Perguntou.
Como na boleia não tinha espaço para a mala, eu levantei um pouquinho a lona e a enfiei  na carroceria. Ele apoiou a mulher colocando uma das mãos nas nádegas dela para ajudá-la a subir e, como o tecido do vestido era muito fino, deu para eu perceber os contornos das cochas e da calcinha e ver que  tinha um corpo e tanto.
Eu entrei pelo meu lado. Depois ele subiu e parece que não gostou muito da situação. Mandou a mulher sentar na ponta do banco, mais perto da porta. Ela encolheu as pernas para ele passar e o sujeito sentou-se entre nós dois. Contive um sorriso, engatei a marcha e dei a partida.
- Meu nome é Rui Barbosa, mas podem me chamar de Rui.
Eles ficaram calados como se não tivessem ouvido. Depois de alguns minutos ele disse:
- Jair. Meu nome é Jair – voltou a ficar calado. 
A mulher era atraente, apesar da simplicidade. De vez em quando eu disfarçava e dava uma olhada. Ela ficava o tempo todo com o rosto virado para fora com os cabelos esvoaçando ao vento, enquanto ele olhava fixamente para a frente. Quando eu perguntei, para puxar conversa, se eram casados, ele respondeu secamente:
- É, somos.
Aproveitei que ele respondeu e emendei outra:
-Vocês têm filhos?
-Temos dois. A gente vai buscar eles - ela apressou-se a responder interessada. E o sen ... - Ela ia perguntar alguma coisa, mas percebi que o homem lhe deu uma cutucada nas costelas com o cotovelo.
- É, a gente vai apanhar eles na casa da mãe dela.
Ela parece que estava acostumada com o jeitão bruto do marido, não deu muita importância e me perguntou:
- O senhor guardou a mala lá atrás, mas eu precisava pegar uma coisinha lá. Quando o senhor puder pega pra mim?
Senti que ele a fuzilou com os olhos. Êta sujeitinho ciumento sô!
- Claro que eu pego! Não tem problema dona.
Como eu estava de boa maré e não queria parecer com o marido dela, eu logo parei o caminhão, passei pela frente e abri a porta para ela descer. O marido ficou lá, mas não por muito tempo. Logo que eu peguei a mala, já estava ele atrás dela. Arriei a mala no chão e ela tirou de dentro uma bolsinha.
- Pronto - disse fechando a mala.  Pode por de volta no lugar. Obrigada.
Dessa vez eu voltei direto para a cabine. Ele subiu na boléia e deu a mão para ajudá-la a entrar.Voltamos para a estrada e eu fiquei assobiando para distrair a cabeça, mas não deixei de ouvir o sujeito cochichar para a mulher:
- Por que você tinha que fazer o homem parar o caminhão? Ta atrapalhando o serviço dele!
- Ah, isso é coisa de mulher. Você nunca entendeu nem prestou atenção nisso, mas pelo jeito o moço deve saber.
“Boa! Essa mulher é danada!” – Pensei com meus botões.
Alguns quilômetros à frente, o sujeito começou a cochilar, batendo cabeça, aí eu falei para ela:
A senhora está precisando que eu pare no próximo posto? Não se acanhe, tem coisas que a gente não pode evitar e tem que aceitar - dando uma de entendido só para mexer com o cara. Estava me divertindo.
- Se o senhor não se incomodar, eu quero sim. Não demoro nada a me ajeitar.
Quando eu parei, ela foi direto para o toalete e eu fui tomar um cafezinho. O marido ficou por ali, olhando para os lados, fingindo interesse em qualquer coisa do outro lado da estrada, mas não tirou o olho do banheiro feminino. Ela não demorou mesmo, logo ela estava de volta.
- Obrigada seu Rui. Agora estou recomposta. Desculpe.
- Não tem por que dona. Não se preocupe, eu sei como são essas coisas.
O sujeito agora estava com cara de poucos amigos, emburrado. A mulher tentando tirá-lo daquela situação ridícula, começou a falar com ele baixinho, mas eu ouvia tudo.
- Jair, quando a gente chegar de volta em casa com os meninos, eu vou precisar de umas batatas pra janta.
- Pode deixar que eu mesmo levo lá em casa.
- Mas tem que ser antes de você voltar, pra dar tempo. Você não pode mandar aquele rapaz que levou da outra vez?
- Ele não trabalha mais na fazenda.
- Não trabalha? Por quê?
- Eu disse pro patrão que ele não prestava.
- Mas você nem conhecia o rapaz direito, ficou poucos dias lá!
- É, mas eu não gostei da intimidade dele.
- Não gostou por quê?
- Não gostei de ele entrar na nossa cozinha e ficar tomando refresco sentado na mesa.
- Mas fui eu que dei pra ele beber. Fiquei com pena do pobre, estava muito calor. Até as galinhas estavam deitadas na sombra da jaqueira, tudo de asa aberta pra arejar.
- Foi por isso mesmo. Não quero esses cabras pegando intimidade com minha mulher lá em casa sozinha.
- Você não tem jeito mesmo hein! Os meninos estavam lá nos fundos jogando bolinha de gude. Coitado do rapaz, “virge maria”!
- Ah! Ele arruma outro lugar pra trabalhar.
Ela voltou a olhar para o lado com o queixo apoiado na mão, balançando a cabeça em sinal de reprovação.
Na hora do almoço, eu parei porque ninguém é de ferro. O camarada disse que ia aproveitar para ligar para o cunhado e dizer que estavam indo de carona porque tinham perdido o ônibus, para ele avisar à mãe dela.
Enquanto ele foi fazer a ligação, ela ficou conversando comigo. Disse para ele que preferia ficar ali que estava fresquinho, porque não se sentia muito bem.
- O senhor desculpe as maneiras do Jair, seu Rui. Ele é um pouquinho ciumento e...
- Pouquinho ciumento! Dona ele é ciumento pra burro pelo que deu pra eu notar. Não sei como a senhora agüenta. Se fosse na cidade tudo bem, mas aqui no meio do mato é até de espantar, apesar que de certa forma eu entendo... “Olha lá Rui. É melhor não se meter. Contenha-se para não arrumar encrenca” - pensei.
- Ele ficou assim logo depois que a gente se casou. Ele queria ter filhos, mas nada de pegar. Aí ele foi num doutor lá na cidade. O médico mandou ele fazer uns exames e disse que ele não podia embuchar mulher. Por isso a gente tentava e não conseguia. Os dois que a gente tem não são filhos dele. São de dois homens diferentes que trabalharam lá na fazenda. Ele é muito orgulhoso e  tem medo que descubram que ele não é homem pra fazer filho, de ser chamado de “gala rala”, como dizem pra troçar dos outros. Então combinou comigo pra eu encontrar os moços só uma vez, fingindo interesse, eu não gostei muito, parecia uma vadia. As duas vezes eu fiz pra agradar a ele. Ficava preocupada porque eles, na certa, iriam pensar mal de mim. Mas como homem é safado mesmo, eles logo se aproveitaram.  Assim que acontecia... O senhor sabe, o “encontro”... lá em casa, escondido, o Jair dava um jeito de tirar o homem da fazenda, de modo que eles não podiam nem ficar pelas redondezas. Assim, eles são pais e nem sabem. Um se chamava Pedro o outro era Juvenal.
Por isso os dois não parecem, nadinha com ele, nem pode né? Ainda bem que puxaram ao meu feitio, assim ninguém desconfia.  Mas parece que ele ficou doente por causa disso, pela situação que ele mesmo criou e não confia em mim, como se eu tivesse deitado com eles por que eu quis. Mas eu só aceitei tudo porque estava com pena dele e queria agradar. Até tive muita vergonha na hora. Não tinha nem coragem de abrir os olhos e olhar a cara de um homem que não era meu marido em cima de mim. Eu só consegui porque eu fechei os olhos pra fingir que era ele. Acho que ele pensa que se eu fiz quando ele pediu, posso fazer de novo por minha vontade. Mas não sabe o que eu passei para suportar tudo por causa dele, o infeliz. Pior foi o medo do arrependimento. A gente nunca falou sobre o assunto e ele nunca quis saber.
Então eu compreendi o ciúme doentio que, eu percebi, dominava o Jair e fiquei com pena dele também. “O orgulho, às vezes, faz a gente fazer cada besteira! Essa do Jair heim! Caramba! Pobre coitado! Deve ser duro entregar a própria mulher para outro só para manter a imagem. Vai carregar a cruz para o resto da vida”  – pensei.
Como ele já devia estar voltando, eu saí de perto da Joana – é o nome dela – e fui ao banheiro. Quando eu voltei, ele já estava lá, parece que nem desconfiou que ela desabafou e que eu sabia dos motivos dele. Depois a viagem foi mais tranqüila até o destino deles. Ele me agradeceu muito e ela também, em especial. Quando se despediram, me deu um sorriso e um olhar de cumplicidade.
- Não tem por que. O prazer foi meu pela companhia. Boa sorte e saúde pros meninos – eu disse.
            Ainda a ouvi falar para ele: “O homem foi tão gentil Jair... convida ele pra ir almoçar um dia lá em casa”. Será que ela estava pensando em ter outro filho? - Pensei.
Acenei para eles e segui minha viagem. Precisava ficar um pouco sozinho.