domingo, 24 de abril de 2011

MELANIE, A DESCOBERTA DE SI MESMA


MELANIE, A DESCOBERTA DE SI MESMA
Melanie saiu para o quintal da sua casa, depois da discussão que estava se tornando rotineira entre seus pais, ora pelas dificuldades financeiras ora pelas reclamações de sua mãe a respeito do cheiro de bebida que seu pai carregava na boca, quase todos os dias, quando chegava em casa depois do trabalho repetitivo na linha de produção.
Na cidade operária, no oeste do estado, moravam os empregados da maior fábrica recém-instalada naquela região, que ainda não tinha perdido totalmente a monotonia rural para dar lugar à agitação urbana.
Deitou-se debaixo da imensidão de estrelas que podia ser vista daquele lugar, ainda não afetado pela poluição. Ficou tentando identificar as constelações e pensando no dia de hoje, no de amanhã também. Melhor, pensava na sua jovem vida, imaginado o seu futuro. “Como gostaria de sair daquele lugar atrasado, cheirando a esterco e ir para a capital, onde vivem as pessoas importantes, chiques, famosas, cultas, como via na televisão! Sair de mãos dadas com a felicidade e visitar museus e teatros, estudar numa faculdade de moda e depois conhecer o mundo... Nova York, Paris...”
Já era bem tarde quando ela percebeu uma luz caminhando pelo negrume do espaço. A luz brilhante passou bem embaixo da lua e parecia não querer ser percebida, assim como alguém que se desloca sorrateiramente. De repente, teve a nítida impressão que a estrela - sim, era uma estrela cadente- encontrou o seu objetivo na observadora silenciosa, curiosa e tinha se voltado na sua direção. Ela estava vindo direto para a Terra, melhor, para ela, com a rapidez da luz. Naquela altura, Melanie já estava paralisada, esperando. O coração começando a se apressar. Os olhos ofuscados pelo brilho cada vez mais intenso, que se aproximava rapidamente, crescendo, crescendo, crescendo...
Já não via nada, só o brilho ofuscante... Presa, incapaz de se mover... Até que um sentimento estranho, como se toda aquela luz tivesse entrado pelos seus olhos, eletrizante, percorrido todo o seu corpo e, provocando calor no seu peito, se alojasse - ela sentiu assim - no seu coração.
Melanie não se lembra como foi para a cama naquela noite. Acordou na manhã seguinte bem cedo, sentindo leve, diferente, como se fosse outra pessoa. Examinou o seu corpo, todos os detalhes, mas aparentemente nada tinha mudado. Levantou-se bem disposta, abriu a janela e a cortina e o sol entrou. Com ele uma brisa suave, perfume de flores e canto de pássaros. Isso mesmo, perfume de flores e canto de pássaros. Nunca tinha percebido isso nos arredores.
Naquela manhã, o sol ainda não estava bem quente, começava a dissipar a neblina que, teimosa, insistia em ficar por ali soprando um gelinho no seu rosto. Isso foi motivo para usar em volta do pescoço o cachecol azul-claro que jazia pendurado no guarda-roupa, havia muito tempo. Não se incomodou com o mau humor matinal da sua mãe e o desânimo do seu pai, por mais um dia enfadonho. Caminhou para a escola observando a beleza na vida simples das aves, das borboletas e dos insetinhos, felizes - assim ela pensou - na convivência pacífica. Cada um executando a sua missão no trabalho organizado da natureza, da maneira que a vida deveria ser.
            Então, ela percebeu que a vida tem vários aspectos e que cada ser vive a partir de suas peculiaridades da sua subjetividade. Sem essa da necessidade de ter fé, como lhe ensinavam, para conseguir as coisas ou evitar superstições que fazem parte da cultura popular. Ela passou a ser mais confiante. Passou a acreditar que tinha que procurar ser o que queria e, com vontade, conseguiria.
Deu-se conta que outra vida corria paralela àquela que vivia socialmente, com as diferenças individuais necessárias, em convivência nem sempre pacífica, organizadas pela natureza, em que cada um procura satisfazer as suas necessidades diversas, suas idiossincrasias. Outra vida... Como um ser primitivo, natural, assim como uma fêmea do homem animal, em comunhão com a natureza, num ciclo pré-definido que nada tem a ver com as diferenças impostas pelo homem social, que se afasta cada vez mais das suas origens, ignorando as características subjetivas; e que toda a vitalidade que impulsiona universo não existiria se fossemos todos iguais.
Assim, ela passou a viver melhor as suas vidas em comunhão.

sábado, 23 de abril de 2011

A JUSTIÇA TARDA E, TAMBÉM, FALHA


A JUSTIÇA TARDA E, TAMBÉM, FALHA
Eu comecei a trabalhar aos dezenove anos, logo após o falecimento do meu pai. Tive que abrir mão do meu projeto de estudar medicina, porque exigia tempo integral, para trabalhar e ajudar na manutenção da minha família, mãe e irmãos menores. Fui contratado por uma empresa, inicialmente como contínuo, antiga denominação de office boy, porque era a única função que não exigia experiência. Era, até então, estudante do ensino médio, naquela época, o nome era científico. Eu tinha certeza que não iria ficar naquela função por muito tempo. Logo eu comecei a arquivar os documentos do setor e aproveitava para ler a legislação a respeito do ramo pertinente e me inteirar do assunto. Não demorou, como almejava, fui gradativamente ascendendo no quadro da empresa, chegando, inclusive, em certo estágio,a ser nomeado procurador, tal a confiança que em mim depositavam, apesar de várias mudanças na administração.
Infelizmente, o ativo da empresa foi vendido para outro grupo e, a partir de então, passei a ser perseguido por um sujeito que foi posto na condição de meu superior, não por ter mais conhecimento ou experiência, mas pelo QI (quem indicou). O grupo, antes muito grande, reduziu-se a pequenas empresas de fachada, todas no mesmo endereço, que serviam, exclusivamente, para restringir as despesas, principalmente com salários e encargos trabalhistas, quando utilizavam o recurso de transferir, frequentemente,os funcionários para aquelas cujas categorias profissionais oferecessem menores benefícios, embora continuassem a executar as mesmas funções como se estivessem nas empresas originais.
Fui perseguido e humilhado, indubitavelmente com a intenção de que eu pedisse demissão. Mas resisti até completar trinta e quatro anos de trabalho dedicados ao grupo, quando fui demitido sob a justificativa de contenção de despesas.
Inesperadamente desempregado pela primeira vez e preocupado com a manutenção de minha família, naquela época constituída de esposa e filhos menores, aceitei emprego para trabalhar no único ramo que tinha experiência, para ganhar um quinto do que recebia na empresa anterior. Por causa do salário muito inferior, tive que requerer a aposentadoria quando completei os trinta e cinco anos de trabalho, para aumentar um pouco os meus rendimentos, apesar de que fui prejudicado por conta da minha idade. Segundo os critérios da previdência, eu era muito novo para me aposentar e, por isso, apesar de ter trabalhado durante trinta e cinco anos, receberia benefício menor como penalidade. No dia dois de maio de 2012 completarei quarenta anos na labuta. Enquanto isso, os políticos... A imprensa anda divulgando que os ex-governadores ganham pensão vitalícia, dezenas de vezes maior que o benefício que recebo do INSS, por terem a função uma única vez, por quatro anos. Alguns, dependendo do caso, com poucos meses de exercício do mandato. Pior, a mamata é extensiva às viúvas e filhas solteiras. Sem falar nos senadores, deputados...
Sentindo-me injustiçado, depois de tanto tempo no mesmo grupo, recorri à Justiça para me ressarcir dos prejuízos, inclusive morais em decorrência de diversos motivos.
Depois de mais de três anos para julgar o meu caso, a Justiça (aqui no Brasil, o entendimento de direito e a consciência de um homem comum) resolveu que eu estava querendo demais pedindo que a empresa me restituísse todos os benefícios que teria direito se continuasse registrado na mesma empresa para qual sempre trabalhei (reajustes salariais, assistência médica, alimentação e outros), que foram alterados ou retirados pelas sucessivas transferências, exclusivamente com essa finalidade, para outras empresas do mesmo grupo. Julgou correto, o magistrado, na distribuição da justiça, inclusive, que utilizassem o meu nome, como se empregado fosse, depois que fui demitido.
QUE JUSTIÇA É ESSA?

segunda-feira, 18 de abril de 2011

QUEREMOS JUSTIÇA!


QUEREMOS JUSTIÇA!
Enquanto estou escrevendo este texto, estão sendo julgados em São Paulo o pai e a madrasta, acusados de matar por estrangulamento e depois atirarem a menina Isabella, de cinco anos de idade, pela janela do apartamento onde moravam. 
Como eu gostaria que a Isabella, na sua inocência, tivesse cometido suicídio cortando a rede com uma tesoura e depois atirando-se pelo vão, por qualquer  motivo que tivesse influenciado a decisão de dar cabo da vida tão prematuramente! Assim, não teria que admitir um caráter monstruoso do pai, principalmente, afinal ela era parte dele.
Nada paga a dor de quem ama de verdade (neste caso não posso dizer de um pai) pela perda irreparável de um filho querido. Ou será que ele desejava se autoflagelar e escolheu aquela maneira horrível? Cruel enquanto perdurou a agonia (nem gosto de imaginar) da pequenina vendo seu próprio pai a quem talvez amasse e defendesse com a própria vida, se fosse o caso, dentro dos seus limites, impondo-lhe agressões físicas e emocionais que resultaram ou contribuíram para a sua morte com muito sofrimento.
Quando acontece uma tragédia desse tipo na sociedade, provocando o desmoronamento de uma de suas características primárias, prenuncia o perigo de ruir por inteiro, resultando no caos que infelizmente pode estar se aproximando.
Não é caso isolado, pois aconteceu outro caso no Rio de Janeiro, que contribuiu para obscurecer a expectativa para o futuro. O que estaria passando pela cabeça daqueles jovens quando arrastaram uma criança por sete quilômetros pelas ruas do subúrbio, enroscada no cinto de segurança do carro da mãe que eles haviam roubado?
A infeliz criancinha não conseguiu se desvencilhar do artefato que presume-se garantir  a segurança caso aconteça acidentes.
Será que eles estavam com raiva do mundo porque não tiveram as mesmas oportunidades e não lhes concederam os mesmos favores? Acho que não, isso é desculpa de quem quer passar a mão por cima da cabeça de maus elementos. Em troca de que? Nem imagino! Suponho interesses escusos, mas não vêm ao caso. Não quero nem pensar no que acontecerá se todos os excluídos e menos afortunados agirem da mesma forma.
Por que aquela criança tinha que pagar pelos pecados do mundo?
Como eu gostaria que aqueles rapazes dissessem que não sabiam, que não ouviram os gritos lamentosos do menino nem das pessoas desesperadas que assistiram ao horripilante espetáculo; que não perceberam as manifestações de todo tipo, tentando dar-lhes ciência do que estava acontecendo, porque as pessoas não imaginavam pudesse ser ato de crueldade o arrastamento para a morte de uma criancinha como um boneco, representação de Judas, impondo a ele e à mãe, que assistia à cena, sofrimento e agonia inimagináveis. 
A sociedade vai fazer justiça por conta desses crimes bárbaros. Mas que justiça? O que vai compensar a dor daqueles que perderam uma parte de si?O que pode fazer justiça? Olho por olho, dente por dente? Remorso e seus efeitos talvez sejam a maior penalidade. Mas será que pessoas capazes de cometer tamanha atrocidade são suscetíveis de remordimento? Acho que não.
Talvez a ciência possa, no futuro, minorar o sofrimento provocado por motivos iguais, fabricando um outro ser igualzinho por fragmentos de DNA e devolver a vida à pessoa assassinada (vamos pensar assim para não ficar muito complicado). Ainda assim, será feita JUSTIÇA?

QUEM ANDA NA LINHA, O TREM PASSA POR CIMA


QUEM ANDA NA LINHA, O TREM PASSA POR CIMA
Hoje eu tive que ir à agência da Secretaria da Receita Federal lá em Vila Isabel para solicitar a emissão de um DARF referente ao acordo que fiz para pagar o meu débito de imposto de renda. É isso mesmo, eu não paguei as cotas do ano passado.
Embora eu esteja aposentado, não posso deixar de trabalhar para sustentar a família - nem comprei pijama - porque o benefício (este é o nome da merreca que a gente recebe, como se fosse um favor do governo e nós, os aposentados, tivéssemos sido beneficiados com alguma coisa) é irrisório.
Eu sou um dos “vagabundos”, apelido depreciativo utilizado por uma pessoa – não gosto nem de mencionar o nome do sujeito - que exercia o cargo de presidente da República resolveu atribuir a mim e a outros cidadãos que trabalharam durante trinta e cinco anos ou mais, ininterruptos, no meu caso, contribuindo para a previdência e se aposentaram aos cinquenta e três anos. Fazendo-se as contas: 53-35= 18, constata-se que comecei a trabalhar aos dezoito anos, pois é, será que você sabe quem (como diria Harry Potter), que me chamou de vagabundo começou a trabalhar tão cedo? Será que ele contribuiu durante trinta e cinco anos para uma instituição qualquer para receber o seu benefício pela aposentadoria? Ouvi dizer que tem mais de uma, sem contar a renda vitalícia por ter sido presidente. Duvido muito!
Eu também estudei, não sou PhD – apesar de que aqui no Brasil o título não serve para nada, a não ser contar pontos em concurso público - em coisa nenhuma, mas tenho três diplomas em nível superior, graças ao meu esforço e dedicação. Um dos ofícios cujo título diz que sou apto é cuidar da saúde mental de pessoas que sofrem por conta de decisões de outros que se aproveitam do poder para executar atos perversos e se julgar no direito de dizer o que bem entendem em declarações infelizes, que só podem traduzir o estado interior de quem as profere.
Apesar da alcunha de “vagabundo”, eu me aposentei, mas tenho que continuar trabalhando até morrer porque aquela pessoa resolveu reduzir o meu benefício porque ainda era muito novo para me aposentar. Teria que trabalhar mais doze anos e correr o risco de um igual alterar novamente a legislação e ser prejudicado mais uma vez. Com medo de arriscar, resolvi aceitar a merreca, ajuda de custo, e continuar trabalhando para complementar a renda ainda insuficiente.
Eu era muito novo para me aposentar, independentemente do tempo que trabalhei, entretanto, volta e meia eu tenho que comprovar que ainda não morri, a fim de impedir que a minha futura viúva fique mamando nas tetas da previdência depois que eu estiver fora do jogo. Pior é que ouvi e li, como foi divulgado na imprensa, me indignei mais e fez subir o nível de desprezo que tenho por aquele indivíduo, que a filha dele era empregada fantasma do Senado, não porque fosse muito apegada ao local de trabalho, morreu e continuou a frequentar o ambiente todos os dias, como dizem os crentes e aconteceu numa empresa em que fui empregado; ela era fantasma porque nunca apareceu para trabalhar, ninguém viu. Só foi exonerada (será que foi mesmo?) porque foi divulgado, apesar de que o salário dela era só quatro vezes mais que o meu benefício.
O meu grande medo é que ele volte ao poder, eleito pelo voto dos incautos, e resolva terminar o serviço, mande juntar todos os velhos vagabundos, leve-nos para passear num comboio e depois extermine-nos para diminuir de uma vez o déficit da previdência.
Bem que o Presidente Lula, já que ele apregoa um governo para o povo, ao contrário do seu antecessor que privilegiava os mais abastados, poderia liberar os aposentados de pagar o imposto sobre a renda ou pelo menos corrigir o mal que foi feito penalizando uma turma de trabalhadores, restituindo-nos a renda justa para a qual contribuímos segundo a legislação covardemente alterada.
Eu resolvi que iria a pé até a agência da Receita para espairecer, já que iria tentar resolver um problema muito desagradável. Durante a caminhada encontrei pessoas desconhecidas que pareciam felizes e outras nem tanto. Passei por algumas pessoas que vivem na rua e provavelmente não têm que pagar imposto de renda como eu, quem sabe “vagabundos” iguais a mim que não tiveram a sorte de poder continuar trabalhando; estudantes alegres e despreocupados, senhoras que iam à feira e outras passeando com cachorro para sujar as calçadas.
Na rua General Canabarro, no Maracanã, presenciei mais uma vez o crime que de algum tempo para cá vem sendo praticado em toda a região da Tijuca com a matança de árvores em prejuízo do ar, com a intenção obvia de não atrapalhar os fios da Light, a companhia de energia elétrica que atua na Cidade, pior que, por incrível que pareça, o serviço criminoso é executado pela Prefeitura, que, agindo assim, foge à obrigação de impedir que o patrimônio público seja depredado, ao contrário, ela mesma  vilipendia o nosso interesse em lugar de mandar que a Light cuide dos seus fios que, cá entre nós, enfeia muito a Cidade. São feito zumbis que deveriam ser enterrados como nas metrópoles evoluídas, muitas delas sem a beleza privilegiada que a natureza concedeu ao Rio de Janeiro.
Atravessei uma rua que ganhou o nome de uma pessoa de quem nunca ouvi falar, Morales de Los Rios. Quem é ou foi esse cara? Fiquei curioso. O que será que ele fez para merecer a homenagem. “Quando chegar a casa vou pesquisar no Google.” – pensei. A internet, apesar de criticada por muitos, dá um baita empurrão no conhecimento e ajuda muito na pesquisa de qualquer assunto, porque se alguém publica alguma coisa que saiba sobre algo, até uma futilidade qualquer, cai na rede e pronto, todos em qualquer parte do mundo podem saber. Aliás, se não fosse a facilidade que ela proporciona, eu fatalmente perderia o interesse porque não teria a menor ideia de onde e por onde começar a pesquisar sobre o Morales.
Como eu esperava, ele está lá. Morales de Los Rios foi um arquiteto espanhol que viveu de 1858 a 1928. Radicou-se no Brasil e andou por Salvador, Recife, Maceió e Rio de Janeiro. Projetou diversos edifícios residenciais e comerciais, desenvolveu projetos de urbanização e saneamento e foi professor da Escola nacional de Belas Artes, da qual também foi projetista. Enfim, acho que mereceu a homenagem para orgulho dos seus descendentes, se deixou. Isso eu não pesquisei no Google. Como aquela, devem ter outras ruas pela cidade nomeadas em homenagem a não famosos que certamente poderão tornar-se conhecidos, bastam algumas tecladas. Até eu estou lá, quem ficar curioso é só pesquisar.
Como fui a pé, cheguei à Agência da Receita Federal dez minutos depois do horário agendado no dia anterior pelo telefone (10:10 h). Não me preocupei muito porque só estava atrasado dez minutos e no mês passado eu estive no mesmo local a fim de solicitar a emissão do DARF que eu não recebi e esperei mais de uma hora para ser atendido, embora tivesse cumprido o mesmo procedimento. Mas para não dar na vista, sentei-me logo numa cadeira no salão de espera e fiquei uns cinco minutos observando se a minha senha iria ser mostrada no monitor que lá existe com essa finalidade, indicando a mesa à qual eu teria que me dirigir. Como a senha não foi mostrada, fui até ao balcão da recepção e apresentei a senha cujas letras não sei o significado à atendente. Ela me disse que a senha ACL2 já havia sido chamada. É normal acontecer isso, quando a gente chega cedo o atendimento atrasa, se, ao contrário a gente se atrasa um pouquinho, o horário é seguido à risca.
“O que eu faço?” – perguntei. “Aguarde um pouquinho ao lado que eu vou gerar outra senha” – ela me disse. Ainda bem. Eu já estava pensando que iria ter que começar tudo de novo: ligar para 146, ouvir as instruções gravadas até chegar ao código numérico correspondente ao agendamento do compromisso (eu nunca lembro qual o número certo, por isso não posso antecipar), ficar esperando o tempo anunciado de espera para atendimento e finalmente marcar o agendamento.
A atendente me deu um papel com um novo código ATZ17, que eu logo decifrei como atrasado dezessete minutos. Assim, acreditei que a demora poderia ser de mais de uma hora, sorte que eu tinha levado um livro, contando justamente que precisaria me distrair, com base na experiência do mês anterior. Sentei-me resignado, pelo menos iria resolver o problema no mesmo dia, e comecei a ler. Logo o sinal sonoro emitido pelo sistema anunciando a senha que estava sendo chamada, indicada num monitor, me chamou a atenção e eu verifiquei que era a minha. Tinha que me dirigir à mesa vinte. Entrei num salão grande, cheio de mesas e vi que era a última, bem no fundo da sala, próximo à entrada para a cozinha, como indicava uma seta. O funcionário que iria me atender estava comendo biscoitos de polvilho que retirava aos punhados de um saquinho sobre a mesa. Disse-lhe o motivo pelo qual fui até ali e apresentei os documentos solicitados. Ele falou que eu teria que aguardar um pouco porque o sistema tinha caído e continuou a comer os biscoitos. Não me ofereceu, apesar de que eu não aceitaria mesmo se estivesse com muita fome, porque a mão que os dedos que ele enfiava na boca eram os mesmos que introduzia no saco para pegar mais biscoitos. “Até que enfim as coisas vão começar a funcionar normalmente.” – pensei - Não era possível o prolongamento do desenrolar atípico, principalmente por se tratar de um órgão público. Depois de algumas tentativas, sem falar nada, o rapaz digitou alguns dados e me entregou o recibo com prazo para pagamento até o final do mês, disse que estava resolvido e se era só aquilo que eu queria. Eu agradeci e me retirei incrédulo. Foi verdade, apesar do meu atraso fui atendido em tempo recorde. Eu pensei: “Por essa e outras é que devem ter criado o dito popular: quem anda na linha, o trem passa por cima.”

segunda-feira, 11 de abril de 2011

O LAMENTO DA IARA


O LAMENTO DA IARA
         


          Diaporã é a mais bela da tribo. Os lindos cabelos lisos e negros chegam-lhe à cintura e os olhos castanhos realçam a beleza do rosto atraente. Por isso, nas noites de lua cheia, ela se destaca entre as demais índias da tribo na dança do ritual sagrado quando as mais jovens oferecem toda a sua beleza a Jacy (a lua) recebendo em troca as bênçãos do céu.
          As mulheres da tribo, da idade aproximada à de Diaporã, usam como roupa apenas uma espécie de cinto chamada ulurei, feito da casca de certa árvore. A presença dele significa que a mulher não está disponível sexualmente, a aproximação do homem só acontece quando ela é autorizada a retirá-lo.
          Apesar disso, Diaporã amava Uambú, um jovem índio que estava sendo treinado para a caça. Namoravam escondidos quando ele voltava da mata e ela ia se banhar no rio, para não serem descobertos pelos outros índios da aldeia, pois tinham muito medo de serem apanhados desrespeitando a maldição do cinto. Para sua tristeza, ela estava prometida a Cauã, jovem guerreiro, filho do cacique. Iriam se casar logo após os respectivos rituais que os considerariam aptos a procriarem.
          Diaporã costumava banhar-se no rio sempre ao entardecer e, então, estendia toda a sua beleza sobre as pedras mornas da enseada. A imagem da linda índia descansando sobre as pedras era muito sedutora e mística. Tudo que era belo na natureza parecia se concentrar ao seu redor: os pássaros cantavam sem cessar, as borboletas e as painas esvoaçavam com o vento da tarde que espalhava o agradável perfume das flores e o sol brincava de desenhar reflexos de luz nas águas do rio que, nessa altura, não tinham pressa e ficavam por ali passeando entre as pedras produzindo um agradável som de água corrente em pequenas quedas.
          Passaram, então, a compará-la a Iara, a mãe das águas, até porque ela se assemelha à sereia descrita na lenda, que também costumava banhar-se nos rios ao anoitecer cantando uma melodia encantadora e envolvente. Os homens que a viam não conseguiam resistir à beleza e, seduzidos, impulsionados pelo desejo, pulavam nas águas, nos braços de Iara, e eram levados para o fundo do rio, de onde não saiam vivos.
          Diaporã estava se tornando cada vez mais bonita, passou a ser desejada pela maioria dos homens da tribo e a despertar ciúmes nas mulheres. A única pessoa em quem ela confiava e fazia conhecer os seus segredos e anseios era uma indiazinha chamada Jacitim.
          A trama do acaso, reforçada pela beleza de Diaporã e a comparação que lhe faziam a Iara, vieram lhe entristecer o coração e a complicar a sua vida, pois que, coincidentemente, Uambú, um dia, amanheceu morto na enseada, ao pé da pedra preferida de Diaporã para se estender após o banho. Outras mortes de índios jovens se seguiram sempre nas mesmas circunstâncias: todos os jovens índios que se deixaram levar pelo “canto da Iara” cobiçavam a bela índia, tinham sido vistos antes entristecidos ou tinham comentado a sua paixão, infelizes por não poder ter retribuído o seu amor -porque pela lei da tribo ela pertence a Cauã -, eram encontrados mortos nas praias ou boiando no rio, com o corpo envolto em algas. Embora todos desconfiem, também, que o seu coração não pertence a mais ninguém, está junto de Uambú.
          Então, toda aquela aura de amor, proteção e devoção que envolvia a bela Diaporã, transformou-se em medo e desconfiança, atiçados pelo que dizia a lenda. Já se cogitava de expulsá-la da aldeia, devolvendo-a para o fundo do rio, de onde teria vindo e nunca deveria ter saído, para sofrimento dos pais e da indiazinha. Nessas circunstâncias, os índios que atingem a idade de ter uma mulher fogem de qualquer contato com a bela Diaporã, temendo o mesmo destino que os outros tiveram.
          Cauã, que, apesar da garantia de tê-la como esposa, também pelo seu amor era capaz de tudo, fazendo valer a condição que a tribo lhe permitia, para impedir que a sua prometida fosse expulsa da aldeia e, para afastar os maus espíritos que rondavam a união que tanto desejava, casou-se imediatamente com Diaporã.
          As mortes deixaram de acontecer e a lenda de Iara começou a ser esquecida. O seu canto não foi mais ouvido e toda a magia voltou àquele lugar. Diaporã, assim, pôde voltar a banhar-se nas águas, a estender-se sobre as pedras, como antes fazia, e entregar todo o seu amor a Uambú. Agora nada mais impede.

O PEDIDO DE PERDÃO


O PEDIDO DE PERDÃO

Desde que começaram o namoro, Arnaldo e Zuleika (embora cearense, seus avós eram poloneses, por isso o nome escrito com a letra k, não com c) tinham a vida sexual bastante ativa. Ela era uma daquelas pessoas classificadas como ninfomaníacas. O furor uterino de Zuleika obrigava o pobre rapaz a se empenhar ao máximo para não deixar a peteca cair. Em certas ocasiões, em face das questões hormonais que envolvem o ciclo menstrual, ela exigia muito dele pela manhã e à noite, quando dava. Arnaldo já estava ficando esgotado e a Zuleika sempre querendo mais. Chegou a comentar com ele, em tom de brincadeira, é claro, como afirmou, que se ele jogasse a toalha, se não desse conta do recado, ela teria que arranjar um amante para atender às suas necessidades ou melhor dar cabo do seu fogo.
Com o passar do tempo, Arnaldo notou, com alívio, mas sem deixar de se preocupar, que a fome da Zuleika acalmou um pouco, apesar de ele ainda ter de fazer amor quase todos os dias. Às vezes, para sua surpresa, ela dormia sem exigir dele qualquer providência.
Arnaldo, então, considerando a ameaça que ela, brincando, lhe fez, começou a ficar encucado. “Será que a Zuleika está me traindo?” - Pensava lá com seus botões.
A partir daí, a desconfiança passou a lhe fazer companhia, encarregando-se de lembrá-lo a todo momento daquela possibilidade.
Desconfiava de todos os rapazes que moravam no prédio, principalmente dos que ainda não trabalhavam, tinham mais tempo disponível durante o dia enquanto ele estava trabalhando. Aquela aflição já estava comprometendo o seu desempenho no relacionamento sexual com a esposa. Quando estavam na cama se acariciando, começava a notar uma certa relutância em se excitar, vinham-lhe à cabeça todos aqueles pensamentos que fizeram construir a sua suspeita, como a sua mulher fazendo sexo com o loirinho do 402, com grandão do 607, cada dia um, aí o Arnaldo broxava. Não encontrava explicação para dar à Zuleika, que já estava achando que ele tinha perdido o interesse por ela. Tinha que encontrar um jeito de lhe dizer o que o estava atormentando.
A situação estava consumindo o coitado do Arnaldo, que em função das suas elaborações mentais já tinha perdido o tesão. Ela insistia, insistia, fazia tudo para excitar o Arnaldo. Ele, às vezes, até que tentava, na esperança de que tivesse enganado a respeito dela, mas a peça principal não funcionava. Pediu que ele fosse ao médico, perguntava se ele tinha enjoado dela, mas tinha certeza que era disfunção orgânica provocada por estresse. “Foi assim tão de repente!” Ela dizia.
O que ele poderia fazer? Ele só desconfiava, não tinha nenhuma evidência de traição, nenhum vestígio, só a maldita desconfiança provocada pela diminuição da euforia sexual da Zuleika.
Um dia, na certeza de resolver a situação, explicando para ela o que estava acontecendo, saiu mais cedo do trabalho e foi para casa. Assim que chegou, ouviu gemidos dentro do quarto e não suportando a constatação do que desconfiava, foi à escrivaninha do escritório, pegou o revolver e invadiu precipitadamente o quarto, despejando todo o conteúdo da arma sobre a estupefata mulher, que ainda tentou se levantar, assustada, os olhos apavorados, em agonia, mas não teve tempo.
Em estertor, balbuciou: “Por quê? Eu te amo tanto!“
Caiu definitivamente sobre a cama, morta. Só, então, Arnaldo percebeu a televisão ligada exibindo um filme em que um casal estava fazendo sexo, era um filme erótico.
Olhou para o corpo sem vida da sua Zuleika, nua, e viu um vibrador introduzido na vagina. Retirou-o devagar, cego pelo pranto. Tomou o cuidado de desligá-lo, aquela vibração era inoportuna. Na base do aparelho estava escrito com caneta esferográfica: “Arnaldo, meu eterno amor”.
Abraçou-se à mulher amada. Beijou-lhe todo o corpo e percebeu que estava em estado de firme ereção, de jeito que só a Zuleika o deixava nos bons tempos, como num silencioso pedido de perdão...Então fez amor com ela pela última vez.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

PÉROLA


PÉROLA
Pérola não é o seu nome verdadeiro, é certo, mas era assim que lhe apresentaram e por esse nome sugestivo Osvaldo a chamava desde que se conheceram na casa da dona Cremilda. Era uma vizinha que lhe frequentava a casa como se fosse uma espécie de sobrinha.
Chamavam-na de Pérola, talvez pelos seus olhos azuis, límpidos, quase transparentes, talvez pelo seu comportamento dócil e carinhoso. Aquele aperto de mão suave e o olhar fixo no dele conquistaram Osvaldo definitivamente.
Passou a frequentar mais vezes a casa da dona Cremilda, que tinha agora um atrativo especial, a cobiçada Pérola que ao que parece pelo mesmo motivo lá aparecia mais amiúde, ora para apertar um vestidinho ora para pedir opinião sobre alguma coisa, a maioria das vezes só queria um dedinho de prosa. De vez em quando seus olhares se encontravam ou se roçavam numa proximidade premeditada, então, Osvaldo reparou que o interesse não era só dele.
Dona Cremilda, que já tinha percebido a intenção dos dois, volta e meia tocava em assunto de namoro e a pretendida Pérola do Osvaldo ficava tão vermelha que parecia um rubi. Então, a esperta senhora dava um jeito de sair da sala para dar um empurrãozinho no acaso.
Logo os pombinhos estavam namorando, e a dona Cremilda, travestida de cupido, se encarregou de dar a notícia para a madrinha da moça, sua vizinha, com quem ela morava desde que veio para o Rio para fazer o curso normal. Tomou, lógico, o cuidado de caprichar no “curriculum” do Osvaldo, prevendo o futuro que aquele bom rapaz estava alinhavando, apesar de já ter passado dos trinta. A Pérola estava com vinte, mas é melhor assim do que ficar por aí com esses jovens que não querem saber de casamento.
Daí para ela se mudar para o apartamento que ele tinha alugado foi um passo. Tudo com o consentimento da madrinha, que mandou logo avisar à mãe da moça, lá no interior de Minas, dizendo-lhe que ficasse satisfeita, pois a filha tinha tirado a sorte grande. Conhecia o noivo, bom moço, desses que já não se vê hoje em dia e logo viriam os netos, com a graça divina.
Assim, seguia Osvaldo feliz da vida. Viviam agarrados o tempo todo, carne e unha, ostra e pérola. O homem começou até a chegar atrasado ao serviço era difícil sair da cama com toda aquela paixão.
Um dia, Pérola disse que recebeu um telefonema de parentes lá da cidade onde morava sua mãe, sobre a doença de uma tia e, com o coração partido teria que deixar o seu bem-amado por uns dias, mas que a distância só iria comprovar o sentimento tão profundo de amor que os unia. Deram o último longo beijo, à porta do ônibus na Rodoviária, e partiu. Osvaldo, então, se deu conta que pouco sabia a respeito da família da mulher que amava. Quando ela voltasse, e a tivesse novamente em seus braços, no aconchego do seu ninho de amor, iria querer saber tudo sobre a sua família, amigos, o lugar onde morava, etc.
Assim que chegou ao seu destino, Pérola telefonou para ele dizendo-se cheia de saudade. Voltou a ligar no dia seguinte e no outro também. Mas as ligações começaram a rarear sob várias alegações, ora porque estava cansada ora estava muito atarefada cuidando da doente. Osvaldo foi ficando triste com a ausência da sua preciosa Pérola. Não via a hora de ela voltar, andava desanimado, sem vontade de sair ou trabalhar, uma ostra sem pérola. Refugiava-se, às vezes, à casa da dona Cremilda, que ficava penalizada. Ela mesma não sabia o que dizer, ficava torcendo, rezando para que tudo voltasse a ser como era antes. Era lindo ver aquele casal tão apaixonado, tinha que acender uma vela pra Nossa Senhora em favor dos dois.
No dia do seu aniversário, Osvaldo chegou eufórico em casa depois do trabalho. Alguma coisa estava lhe dizendo que iria ter uma surpresa, talvez a Pérola telefonasse dizendo que já estava voltando. Achava que era isso, sexto sentido. Entrou em casa correndo e foi direto para o quarto. Abriu a janela para a lua entrar, junto com o frescor da noite e o perfume do jasmim. Lembrou-se de uma coisa que tinha esquecido. “Como não tive essa ideia antes?” Pensou. Então, saiu de casa, foi à padaria da esquina e comprou uma caixa de bombons, daqueles que ela mais gostava, e foi deixá-la no guarda--roupa. Ela iria ficar radiante, adorava bombons. Então, o seu mundo ruiu, o armário estava vazio. Correu ao banheiro, não estavam lá na prateleira os seus perfumes. Foi então que ele viu, de volta ao quarto, jogada sobre a cama, justamente no lado em que ela costumava dormir, uma calcinha de renda vermelha, toda enrodilhada como se tivesse sido retirada escorregando pelas pernas, e ali deixada como uma lembrança de última hora.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

UMA NOITE APENAS


UMA NOITE APENAS
Os olhares encontraram-se num passeio casual entre as mesas e o burburinho na penumbra enfumaçada. O interesse foi revelado e na pista aconteceu o encontro premeditado. Os olhos fizeram o exame mais minucioso possível, os corpos se permitiram o contato libidinoso mediante aprovação recíproca. No embalo frenético da música, ao convite tácito, a bolinação já prenunciava o porvir.
Sequiosos de desejo, estimulados pela ansiedade ante a iminente revelação do desconhecido, livres do empecilho das roupas, lançaram-se à mútua exploração voluptuosa. No clímax, extenuados, o nada do orgasmo aconteceu. O beijo de despedida encerrou o encontro. Tchau!

NA PRAIA


NA PRAIA
Nadei, nadei, nadei, nadei... e morri na areia ainda quente da praia, na boca da noite. Justo na minha vez tinha que acontecer um coito interrompido!